A dias de somar dez anos, a eutanásia como tema do dia.
A dias de somar dez anos que a minha irmã recebeu o diagnóstico de leucemia. Assim, como vos escrevo aqui. Aos vinte e um anos.
Aos vinte e um anos. Hoje estou a fazer uma frequência, amanhã fico com febre, a febre não passa com antibiótico, volto ao hospital e sou internada de urgência já com órgãos em falência. Dias. Horas. Minutos. Segundos. É esta a fragilidade da nossa vida. E, desenganem-se, não acontece só aos outros.
Lembram-se do que era a vossa vida aos 21? Eu lembro-me. E também me lembro bem de como era a vida da minha irmã aos vinte e um. Aos vinte e um ninguém pensa em doenças ou em morte. Aos vinte e um a nossa preocupação é a época de exames. É a mesada que não chega. É o namorado que já devia ter devolvido a chamada há dez minutos e não devolveu.
Aos vinte e um anos ninguém pensa em doenças, em hospitais, em morte. Não, aos vinte e um ninguém está a escolher a cor do caixão.
Aos vinte e um anos a minha irmã recebeu um diagnóstico assustador. Ainda assim, bastante suavizado pela fantástica equipa de profissionais de saúde que a (nos) acompanharam. A minha dívida para com eles será eterna.
Aos vinte e um ninguém acredita que hoje está a fazer os primeiros turnos de estudante no hospital veterinário e que daí a um mês estará a ser transportado de emergência para os cuidados intensivos em risco sério de vida.
Aos vinte e um ninguém imagina que existem dores físicas tão insuportáveis que não nos fazem querer morrer, mas nos fazem não querer viver.
Eu não sei. Eu não sei o que é isso.
Sei que a minha irmã nunca quis morrer. Sei que a minha irmã, mais do que eu, a minha mãe ou o meu pai, quis viver. Não se iludam. O ser humano quer sempre viver. Nós somos animais. É esse o nosso instinto. E quando não quer, está doente.
Sei que a minha irmã lutou sempre. Sempre. Até ao dia em que lhe disseram que não havia mais nada a fazer. Só um último tratamento. Tão agressivo que a probabilidade de morrer por conta do mesmo era assustadoramente grande. E ela aceitou. E morreu. Em agonia. Em sofrimento. Consciente. E Lúcida.
A minha irmã nunca pediu para morrer. Eu não concebo o que seria ouvir essas palavras da boca dela. Mas o que não suporto sequer imaginar, é a possibilidade de ouvir esse pedido, sabê-la no pior dos calvários humanamente (in)suportáveis cujo único desfecho é a morte e nada poder fazer.
Aguardo, até hoje, a opinião de alguém contra a eutanásia que tenha vivido uma situação semelhante. Gostava de conhecer tamanha besta egoísta. Porque os outros? Os outros que são contra porque sim? Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.
Há coisa de dois meses atrás perdi um primo aos 45 anos. Era bombeiro, tinha energia e saúde para dar e vender. Tinha casado há poucos anos.Estava a construir a sua casa, a formar o seu lar. Uma mancha inoperável no cérebro. Em setembro estava com dores de cabeça, em dezembro estava internado e nunca mais voltou a sair do hospital.Em janeiro nunca mais voltou a sair da cama do hospital. Estava consciente de tudo e ouvia tudo. Mas não conseguia falar porque os tratamentos danificaram-lhe as cordas vocais, quase não conseguia respirar, não se conseguia mexer. Esteve ali até ao seu último dia … semanas e semanas a ver-se num estado de quase vegetal, a ver a família a sofrer. A pena nos amigos. A definhar. A sofrer. Com dores, Com febre. Miserável. Mas como tinha um coração muito forte, mesmo estando sempre por um fio, mesmo estando naquela angustia e com os orgãos todos em falência, ali ficou semanas. Á espera de morrer. Agora venham cá dizer que assim foi mais humano. (beijinho para ti)
Obrigada!
É só isto… nada mais!
Só quem nunca esteve à cabeceira da morte, s permite à arrogância de argumentos vazios e de se endeusar sobre a escolha de cada um!
(caramba q me identifico cada vez mais ctg… particularmente em vivências!)