Entrou no comboio esbaforida. Mais uma vez. Esbaforida mas com um sorriso. De telemóvel na mão a falar com a filha como sempre, entra na carruagem do costume e senta-se no lugar de todos os dias.
Ao lado a dona da loja de decoração, que já é mais do que a pessoa a quem vai comprando peças para oferecer à filha. Existem as amizades da escola, das férias, do emprego. E depois existem as amizades de todos os dias, da viagem no comboio, da padaria onde se vai buscar o pão pela manhã, da loja de decoração onde se passa a caminho do emprego.
À frente uma cara menos conhecida. Assim só de vista. Neste dia, particularmente triste. Estava ali pela amizade com a outra. E as três conversam. Devia ser sobre o tempo. Ou uma qualquer outra banalidade. Mas não. São mulheres. E vem o desabafo da dona da cara triste. O desabafo da tristeza. O desabafo da dor. O desabafo da mágoa. O desabafo da raiva. Um divórcio tardio. A traição inesperada. A solidão precoce porque os filhos já saíram de casa e de repente foi-se a companhia que restava. A companhia da velhice. A companhia que não se esperava perder.
E então ela, ela que entrou esbaforida mas sorridente, ela por quem o marido espera todos os dias na mesma estação de comboios há trinta anos… Mostrou a sua empatia, escutou, deu o ombro e disse antes de se levantar para sair “Ouça, está viva, os seus filhos estão vivos e são felizes, a vida continua, só depende de si ser feliz.” Antes de colocar a carteira ao ombro ouviu o cliché de quem está magoado, sofrido e que na dor não reconhece mais do que a sua realidade “A senhora não sabe do que fala, não imagina o que isto é. Tem o seu marido em casa”. E então ela voltou a sorrir e disse “Pois não, tem razão. Desculpe! Até amanhã!”
E então, quando entrou no carro pela n-ésima vez e deu um beijo ao marido, olhou para trás. Para o lugar onde se sentava a filha mais nova antes de morrer.
[Tenho a mãe mais sorridente do mundo.]
Um texto lindo e muito bem escrito. Parabéns!
Não se fica indiferente e dá que pensar…