A morte é feia como tudo.
É feio o processo que na maioria das vezes culmina na morte.
É feio o processo de luto que a sociedade entende como normal.
Mas a morte. Aqueles instantes. É feia. É assustadoramente maquiavélica, cruel, medonha.
Ver a morte nos olhos conscientes de quem amamos é o nosso pior pesadelo. A morte dorida e dolorosa, crua e real, é – para os que estão conscientes, pior do que uma cena de terror.
Perguntaram-lhe muitas vezes como era saber. E ela dizia “eu não sei o que é não saber”.
Eu sei o que é não saber o quão feia é a morte. E por isso, sei que dava tudo para padecer de tal ignorância.
Mas sabendo como é feia, diabólica e tudo o que há de mau, não posso deixar de me sentir sortuda no que isso me traz.
Há, por muito ignóbil que isto possa parecer, uma sensação de superioridade. A consciência e o conhecimento levam a uma sensação de superioridade quase esotérica. A da consciência perfeita (que sei que nunca se tem sem se olhar a morte nos olhos) de que vamos mesmo morrer. E que o mais certo é que seja feio. E que até pode ser daqui a muitos anos, mas também pode ser amanhã, esta noite ou agora. E essa consciência faz-me viver de uma forma diferente. Felizmente, os que são importantes para mim, também viveram esta dor comigo, por isso de uma forma ou de outra, também se moldaram, também se reformularam. Com mais ou menos profundidade. E adaptaram-se a esta minha forma de estar que sei não ser de todo comum.
A minha filha nasceu nesta realidade. Com esta mãe. Com este pai. Com estes avós e nesta família que vive assim, de uma forma diferente. E, no meio do seu discurso muito infantil, muitas vezes baralhado e confuso em temas tão banais como a descrição do dia, há uma componente tão clara e alinhada em relação ao que verdadeiramente importa que sei que isto não se ensina. Vive-se.
De tudo o que eu gostava de não ter aprendido para não ter de ensinar, aquilo que mais quero assegurar é precisamente isso mesmo, que aprende aquilo que aprendi à custa do meu pior pesadelo tornado realidade. Que ser feliz, todos os dias e sempre, só depende de nós e do que está cá dentro. O resto? O resto que se foda.
Revi-me tanto neste teu post, nesta frase: Ver a morte nos olhos conscientes de quem amamos é o nosso pior pesadelo. Também eu passei por essa reformulação e conheço essa sensação de “superioridade”. Mudou-me e o meu filho tb está a crescer vivenciando esse sentimento. Por isso é que não consigo perdoar à minha mãe, por ter vivido o mesmo processo (ou pior) não ter conseguido encarar a vida de outra forma, por se ter tornado azeda e dar prioridades a coisas que não têm importância nenhuma. O pior é que a morte me ensinou a largar o que é secundário e negativo, de modo a aproveitar a vida. E quando esse “pior” é a tua mãe, dói. Desculpa o desabafo, mas é algo que anda a corroer-me e esse teu post mexeu comigo. Um beijinho grande
Oh querida, um grande grande beijinho!