Lembro-me desde sempre de me valer da minha memória. É uma das minhas capacidades mais marcante.

Memória fotográfica, memória auditiva, memória olfactiva…

Há quem procure desenvolver a sua capacidade de memorização, eu procuro desenvolver a minha capacidade de esquecimento.

É habitual ouvir “ah isto deve lembrar-te a tua irmã” ou “ah isto deve reavivar as memórias do que passaste com a Nídia” ou “ah hoje deve ser um dia mais difícil com saudades mais duras”.

Mas não. Nada disso. É um engano enorme.

Eu não me lembro mais da minha irmã quando estou no quarto dela, a saudade não dói mais no aniversário da Nídia, não sinto qualquer baque quando vejo uma fotografia dela (até porque estamos rodeados de fotografias dela) e agora, que estou à espera de notícias, também não existe qualquer sentimento associado a qualquer tipo de “estar a reviver”. Não. Não mesmo.

Falem-me de cheiro. E o arrepio é imediato. Só a lembrança é suficiente para sentir uma náusea não ligeira mas muito desconfortável.

O cheiro caramba. O cheiro inconfundível que se sentia assim que se passavam aquelas portas sempre fechadas. O cheiro de um espaço isolado e esterilizado. O cheiro de salas que nunca têm janelas abertas. O cheiro de paredes que encerram medicamentos coloridos mas nada alegres, sacos escuros de sangue e amarelos de plaquetas…

É o cheiro. O meu calcanhar de Aquiles é o cheiro… que é absolutamente atordoador…