Sabes Miguel – permite-me que te trate por tu, eu gosto muito do que escreves. Gosto mesmo. Tens aquilo que a minha mãe diz que eu tenho, não tens vergonha de escrever (ou dizer) aquilo que a maioria se envergonha sequer de pensar. Escreves verdadeiramente o que te vai na alma e que espelha aquilo que muitos sentem e não conseguem sequer expressar internamente. Gosto mesmo muito do que escreves. Na maioria das vezes sou invadida por lágrimas e penso – invejosa e invariavelmente, no quanto desejaria ter sido eu a escrever tão sábias palavras.

Mas desta vez erraste, sabes? Eu entendo o que queres dizer, que não se deve tapar o sol com a peneira e encher a cabeça e o dia para que não sintamos dor. Sim, aí tens toda a razão. Não devemos apagar a dor momentaneamente com drogas químicas ou de outro tipo… A dor está lá e haverá para todos nós um dia em que vai chegar à superfície e não a vamos conseguir afogar. Mas esquecer? Esquecer Miguel? Eu não quero esquecer. Quando se ama não se esquece, porque o amor, quando é amor e não algo que se confunde com esse sentimento, é eterno. O verbo amar não devia poder ser conjugado no passado. Eu amo a minha irmã. Não vou esquecê-la nunca. Porque não quero. Porque esquecer não é necessariamente bom. Sim, se esquecesse ir-se-iam estes momentos de dor aguda em que quase me falta o ar. Mas e o resto? O resto que se perderia também e para sempre? Não Miguel, esquecer não é bom e não faz bem. Quero que a minha filha continue a reconhecer todas as fotografias da tia, mesmo que por vezes essas mesmas fotografias possam fazer chorar a minha avó. Sabes, não preciso dessas fotografias para me lembrar da minha irmã. Por isso, não dói mais quando as vejo. Também não dói mais quando estamos todos juntos porque alguém faz anos. Ou quando falo com um amigo da minha irmã. Ou quando falo sobre ela. Pode doer nesses instantes como em quaisquer outros. E sabes por quê? Porque não esqueci. E não quero esquecer.

Miguel, quem ama não esquece. E ainda bem.