Se muito me magoou que houvesse, poucos dias, poucas semanas, poucos meses, depois de a minha irmã morrer, quem tivesse o à vontade (sem me conhecer verdadeiramente) de me dizer que isto não era luto, que eu e os meus pais ainda íamos sofrer, que tínhamos, mais cedo ou mais tarde, de ir abaixo, de cair, a verdade é que o rancor que ficou cá dentro foi tanto maior. Na altura, senti-o não como uma afronta mas como um agoiro. Independentemente de acreditar que só tentavam precaver-me. Alertar-me. Depois, percebi apenas que há quem ainda não entenda que somos todos diferentes.
Eu não forcei o meu luto a ninguém. Nunca disse que era a melhor ou a pior forma de viver a morte. É tão só e apenas a minha. A nossa forma de viver a morte. Se no meu íntimo acho que é a mais correcta? Claro. A mais correcta para nós. Para a Nídia. Unicamente porque sei que a minha irmã, da mesma forma que quis viver cada dia enquanto esteve viva, também desejou que vivêssemos cada dia depois dela morrer. A Nídia pediu para não vestirmos preto na roupa e na alma. E não foi difícil fazer isso. Afinal, apenas desejou que continuássemos a viver como sempre vivemos.
Mas eu sou rancorosa. E muito. E agora é a minha vez de dizer que me parece a mim, que quem consegue falar de quem morreu da forma que todos nós falamos é precisamente quem consegue viver (e não ultrapassar) a morte da pessoa que ama.
É para mim inconcebível não falar da minha irmã à minha filha. Faço-o todos os dias.
Por isso, para uma das pessoas que me deixou este rancor (apenas porque na altura, ainda que querendo ajudar, não fez mais senão magoar) lhe digo: no dia em que conseguir falar ao seu filho da avó que ele não conheceu, então sim, estará a viver a morte dela plenamente.
Até lá, guarde os seus conselhos. E pense que ter sido contrariada por mim na altura, não foi motivo para me transformar no seu ódio de estimação e para andar a destilar veneno por aí. Ser Mãe não se compactua com esse tipo de maldade (ou pelo menos não devia).
Rancor? Muito. Tinha isto entalado há quase dois anos. E a oportunidade chegou.
Encontrei o texto, espero que gostes:
“A morte não é nada.Eu só passei para o quarto ao lado.
Eu sou eu,tu és tu,o que nós éramos uma para a outra,
nós o seremo sempre.
Chama-me como tu sempre me chamaste.
Fala comigo como sempre o fizeste
Não uses um tom diferente,não fiques com ar solene ou triste.
Continua a rir daquilo que nos fazia rir juntas.
Reza,ri-te,pensa em mim,reza por mim.
Que o meu nome seja pronunciado em casa como ele sempre foi,
sem um traço,sem uma sombra.
A vida significa tudo o que sempre significou.
Ela é o que sempre foi.O fio não está cortado!
Porque estarei eu fora de vista ?
Eu espero-te.Eu não estou longe.
Apenas dou outro lado do caminho,no quarto ao lado.
Como vês tudo está bem.”
Não sei de quem é, apenas sei que foi lido numa missa por intenção da minha prima e nunca mais me esqueci. Se não gostares, peço desculpa e simplesmente ignora 🙂 Mas tenho um feeling que vais gostar (se é que já não conheces). beijinhos outra vez 🙂