Eu, Tu e os meus sapatos

Louca pela vida. Louca por ti. Louca por escrever. Louca por sapatos.

6 Meses Depois

E o balanço tinha que ser feito… do sentimento, da falta, do sofrimento, sobretudo, da saudade.

E vou começar do princípio, de tudo o que me foi apetecendo escrever (e que guardei para mim) mas que achei que deveria esperar por um período mais “consciente” para ser gritado!

Fragilizado não é estupidificado

Hoje achei que já tinha “o direito” reconhecido (???) de dissertar sobre o tema sem mal interpretarem a minha consciência efectiva e o estado da minha sanidade mental.

Quando uma situação dramática acontece na nossa vida, perdemos parte do nosso discernimento. Ficamos mais fragilizados. Tornamos-nos simultaneamente mais emotivos e mais frios (sim, não é nenhuma incoerência, é a verdade).

Mas, e é sobre isto que vou divagar, não estupidificamos. Não emburrecemos. Não nos tornamos cegos.

E é por isso que não tolerei que pessoas más em pele de carneiro, tentassem deprimir-me, magoar-me, entristecer-me, com expressões como “ah, tu estás assim, mas depois vais-te abaixo, acredita”! De que forma é que isto poderia ajudar-me? Como é que este alerta poderia ajudar-me? Primeiro, não se pode assumir que o que se passa connosco é o mesmo que se passa com terceiros. Depois, mesmo que eu viesse a cair, de que serviria avisarem-me “ah vais cair”??? Deixaria de cair? Não! De todo! Fui na altura talvez mal interpretada. Ou não. Mas a opinião que tenho hoje é esta. Esses alertas serviram tão só e apenas para me magoar e ofender. E, já agora, estavam errados. Ainda não caí. Nem eu, nem ninguém.

A Saudade Aumenta

A saudade aumenta? Não sei. Hoje ainda não sou capaz de dizer. No instante em que a Nídia morreu e, felizmente, tinha as pessoas mais importantes à beira dela, senti todas as saudades do mundo. Uma semana depois senti mais. Um mês depois ainda mais. Três meses depois também. E hoje sofro horrores de saudades. Mas não estou a sofrê-las de forma ininterrupta. Há instantes em que custa mais, há outros em que quase consigo esquecer. E acredito que será sempre assim. Que daqui a 20 anos ainda vou ter momentos em que sou acometida por uma dor tão atroz que não sou capaz de parar de chorar e outros (a maioria) em que falo e escrevo alegremente sobre a Nídia. Momentos em que vivo alegremente a sua lembrança. Por isso, não sou capaz de dizer que a saudade aumenta. Tão só e apenas porque ainda não sei.

Da Dor. Da Raiva. Do Porquê.

Quando a Nídia adoeceu o meu pai questionou o por quê. Tantos por quê? Por quê a nós? Por quê a ela? Por quê? E com esse por quê, vinha a raiva, o não compreender, a não aceitação. Na altura eu era mesmo uma menina. Tinha 25 anos e a minha vida era um conto de fadas. Mas o que é certo é que aquilo que lhe disse na altura, é o que hoje diria. Mais crescida. Mais adulta. Mais sofrida. Ninguém merece passar pelo que a Nídia passou. Ninguém. Por isso de nada serve questionar o por quê a nós. Acredito que nós tivemos a força de saber lidar com isso. Que a Nídia lidou com isso como um ser extraordinário. E talvez seja essa a melhor resposta.

Fria.

Tornei-me mais fria. Tanto. E até hoje foram os meus amigos quem mais sofreu com isso. As desculpas são pedidas. E evitadas? Não sei. É difícil emocionar-me como antes, sentir “pena” como antes.

E não sei se algum dia voltarei a ser como já fui.

33 Discussions on
“6 Meses Depois”
  • Cá estou eu outra vez.
    Eu fiquei a detestar funerais e afins. Ouvi tanta palermice na altura que a minha postura é somente a de estar lá, quando as pessoas são muito próximas. Mudei completamente a minha forma de viver a dor. E tornei-me fria sim, mas também mais forte, mais sábia, mais lúcida.Aprendi muito sobre quem sou, sobre a força que tenho (as circunstãncias foram diferentes)e principalmente sobre quem os outros eram.

    Posso dizer-te que nada passa, mas sim que se transforma. Eu raramente digo que "tive um irmão, mas sim que "tenho".Está e estará sempre na miha vida, em quem eu sou, sempre.
    O tempo é nosso amigo.
    Bj. Ana

  • As pessoas tendem a rever os outros em si mesmos, naquilo que foram as suas atitudes face a algo similar.
    No entanto á que perceber que cada ser humano tem uma forma muito particular de lidar com o sofrimento e com as adversidades da vida.
    E que as estratégias de cada um, os sentimentos de cada um, a quantidade de lágrimas choradas, varia.
    Dizer que se vai cair, porque foi o que lhes aconteceu ou viram acontecer, dizer que agora se está quente e se tem força mas quando se reflectir o mundo irá abater-se sobre nós, não é claramente uma forma de ajudar, mas sim de confundir e preocupar, e tal como disseste ofender quem naquele momento tanto se está a esforçar para aprender a lidar com a dor, a saudade etc.
    bjo boa semana.

  • Embora nunca tenha passado pela perda de alguém próximo por doença (felizmente), passei pela perda da minha avó materna, que era uma 2ª Mãe para mim, e já tinha 83 anos! Ela era e é tão importante para mim que, desde a sua partida, também me tornei mais fria, principalmente no que concerne à morte em si! Se sinto pena quando outras pessoas partem? Claro. Mas se deixo que esse sentimento dse expanda e me ocupe o pensamento e o coração? NÃO. A minha avó partiu e fazia-me tanta falta…qualquer outra pessoa que parta…that's life!Acho que o meu coração só vai quebrar de novo quando partir alguém do meu núcleo familiar restrito.
    Não posso, no entanto, deixar de te dizer que me emociono quando falas da tua irmã…porque me ponho no teu lugar (ou pelo menos tento) e penso como me sentiria se tivesse sido comugo e com a minha irmã! Beijinhos!

  • Cada pessoa tem a sua forma de lidar com a dor, com a sensação de perda…
    Segui desde cedo a tua história, nos tempos do forum, e foi com muita tristeza que recebi a noticia, mas deu para perceber como tu e a tua familia são unidos e respeitaram a vontade da tua mana. Para mim, e para quem leu, foi uma grande lição de vida, e que certamente nos faz pensar de outra forma…
    Era admirável a vossa força e continua a ser…
    Um beijinho enome 🙂

  • Como te compreendo…
    Deixo-te um pequeno texto que tanto me tem ajudado a seguir em frente, e apesar de estar relacionado com a minha perda adequa-se a todas as outras.

    "Na hora de pôr a mesa, éramos cinco: o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs e eu.
    Depois, a minha irmã mais velha casou-se. Depois, a minha irmã mais nova casou-se. Depois, o meu pai morreu.
    Hoje, na hora de pôr a mesa, somos cinco, menos… a minha irmã mais velha que está na casa dela, menos a minha irmã mais nova que está na casa dela, menos o meu pai, menos a minha mãe viuva.
    Cada um deles é um lugar vazio nesta mesa onde como sozinho, mas irão estar sempre aqui.
    Na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
    Enquanto um de nós estiver vivo, seremos sempre cinco."

  • A tua postura não me é nada estranha e, sinceramente, acho que o teu luto é perfeitamente normal! A tua maneira de encarar a morte é um exemplo, o apoio e entreajuda na tua família são uma inspiração! Eu perdi o meu irmão mais velho muito menina e saudade não passa… mas é mesmo como dizes, uns dias nem me lembro… nos outros sou capaz de chorar como se tivesse sido ontem! Mas há que viver… e acredito que um dia nos encontraremos todos de novo, isto não pode ser o fim de nada!

    Kiss*

  • Já antes de criar o meu blogue, tinha uma lista de blogues que lia, o teu era um deles e sempre admirei a maneira como se encarava aqui tudo o que era relacionado.
    Devo dizer que para mim foi também e continua a ser uma lição de vida. Obrigada por isso 🙂
    beijinhos*

  • Sempre admirei, e continuarei a admirar, a vossa força e a vossa forma de lidar com esta situação. São uma verdadeira inspiração!
    Continua a lidar com tudo isto da forma que tu achas que é a melhor e que te faz sentir bem! Muita força 🙂

  • Ninguém te pode condenar por sentires o que sentes e te teres tornado uma pessoa diferente. A vida e os acontecimentos transformam-nos.

    Aproveito para dizer (não sei se já o fiz) que gosto muito do teu blog e já o sigo há muito tempo (apesar de só há pouco tempo me ter tornado uma "seguidora") e apesar de nós nunca conhecermos a pessoa que está aí desse lado, pareces ser excepcional.

    Um beijo grande*

  • Ninguém tem nada que colocar em causa a forma como encaraste o que te aconteceu. Cada um encara o que nos vai sucedendo à nossa maneira e, ainda que não concordem connosco e com as nossas acções, ninguém tem nada que criticar. As dificuldades cada um aprende a lidar com elas, seja da melhor ou da pior forma. Isso não interessa. Mas o que importa é seguir em frente. Existem momentos que não se conseguem nunca ultrapassar totalmente, é assim a vida. E realmente concordo contigo, existem coisas que nos acontecem que nunca nos deixarão voltar a ser quem fomos um dia… Força! E continua a escrever sempre pois és sempre uma boa leitura e transmites sempre muita força naquilo que escreves, mesmo nos teus piores momentos. 🙂

  • Olá!

    Nunca me revi tanto numa descrição como agora!
    Desde que perdi a minha filha tão desejada à nascença e que sai do hospital com um caixão nos braços, directamente para um funeral, a minha forma de ver a vida e as pessoas mudou imenso. E como a Me disse "não sei se algum dia voltarei a ser como já fui!"
    E já passaram 16 meses…

  • Embora seja um tema tão delicado, até agora és a única, a única que consegue exprimir tudo aquilo porque nós todos passamos quando perdermos alguém (pelo menos comigo).
    Ao longo dos anos eu tenho tido diversos ídolos, pessoas que admiro pela forma com vê a vida, neste momento diria sem pensar duas vezes que o meu ídolo és tu. Por tudo, porque és uma mulher fantástica, uma senhora.
    Beijinhos querida,
    Bomboca do Amor.

  • Querida Me,
    admiro a tua força, a tua coragem para descreveres e desabafares tudo o que vai dentro do teu peito. Apesar de não te conhecer pessoalmente nem de nunca ter convivido com a Nídia vocês tem muitas semelhanças e sempre que sorris ela está contigo.
    Continuo a admirar-te pela luta diária, pela saudade que deves sentir sempre que vês, ouves ou cheiras algo que te traz à memória a Nídia.
    Com carinho e ternura
    Abraços doces
    Sairaf

  • Por motivos pessoais, também me tornei mais fria e aturo menos as lamentações dos outros porque sei que há quem sofra muito mais (As alas do hospital do IPO de Lisboa são me familiares; foram muitas as vezes que estudei em salas de espera…) e relativizo os problemas.
    Se escrevesse sobre metade deles no meu blogue seria tão pessimista. E isso para quê?
    Há que seguir em frente, tanto quanto tu pareces ter conseguido fazer… Há que mostrar sapatos, e viagens e recordações bonitas!

  • É normal… tornamo-nos mais frias, calculistas, c uma carapaça para nos protegermos… é normal… E não acredito q se volte a ser a mesma pessoa. Acredito que as experiências que nos marcam, alteram pequenos bocadinhos de nós… e não volta a ser igual… Paciência!

    Eu pessoalmente adoptei a 'estratégia' de não pensar no assunto, não ir a cemiterios, não abordar o assunto e fingir que nunca aconteceu… e não permito julgamentos sobre a 'estratégia' que adoptei… é assim que me sinto bem… é assim que não doi (tanto…).

    🙂

  • Me, não tens ideia de quantas vezes me lembro de ti por dia… não tens ideia de quantas vezes te tenho como referência para relativizar o que vou sentindo por aqui e por ali. És-me especial. Sempre foste desde… desde… tu sabes. Que Deus te continue a mostrar sempre o caminho da compreensão e da valorização dos momentos felizes.
    Tudo de bom…

  • Da saudade… passem os anos que passarem há alturas em que continuamos a ser surpreendidos pela dor e outras que lidamos facilmente.
    Da dor, do porquê… também não sei. E de cada nova vez que passo por isso, compreendo ainda menos.
    Fria… sem dúvida muito mais. A "pena" é muito mais racionalizada e a tolerância para as "lamentações" muito mais diminuta.
    E a cada vez sou ainda menos como dantes… mas sinto-me cada vez mais forte.
    Um beijo =)

  • Acho que encaraste a morte da tua irmã muito bem!
    Não são todos que conseguem ter e manter essa força!
    Em relação à saudade aumentar, eu não lhe chamaria aumentar, acho que a saudade se modifica, com o passar do tempo pode ser que te habitues a essa saudade e deixe de doer tanto.
    Quando passamos a associar a saudade à nostalgia boa, parece que nos enche o coração por uns momentos.

    Bjks***

  • Nos últimos tempos tenho passado com problemas menos bons no campo da saúde. Tentei, tento, apesar de todas as contrariedades, manter alguma normalidade na minah vida, no meu dia-a-dia.
    Sei que algumas pessoas olham para mim de lado por eu estar preocupada com a gordura, ou por apreciar, ou comprar até, uma peça de roupa… e o meu marido a convalecer de uma operação. Sim, eu sinto isso nas pessoas! Mas fechar-me em casa a pensar ou a queixar-me do que está a passar não resolve. Ajuda sim, e muito eu acreditar sempre que tudo se vai resolver e manter a minha saúde mental!
    (Há dias alguém num blogue disse-me que eu precisava de tratamento psiquiátrico, que ter uma pessoa doente para apoiar e ainda conseguir pensar noutras coisas era uma fútil e insendível!)
    Enfim
    Continua a ser assim, um bom exemplo, um exemplo positivo de força, coragem e de humanidade.

  • Entrei hoje pela primeira vez neste blog e deparei-me com uma pessoa que provavelmente sabe o que passei, o que passo e o que irei passar!
    Perdi a minha avó há 10 anos com um cancro e sei por experiencia própria que não é de todo verdade o que dizem! "O tempo cura tudo"
    É mentira o tempo só faz aumentar a saudade, é certo que com o tempo aprendemos a viver sem aquela parte de nós mas jamais nos fará esquecer tudo o que passamos ao lado dElas!
    Sei o que sentes, sei que nunca irá ser fácil mas sei que a tua estrelinha está lá como a minha a seguir cada passo nosso!
    Um abraço

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