Eu, Tu e os meus sapatos

Louca pela vida. Louca por ti. Louca por escrever. Louca por sapatos.

Filhos de segunda?

Já estive tantas e tantas vezes para escrever sobre isto… Não, não pensem que é alguma espécie de reserva. De todo. Mas é um assunto tão sensível, são histórias de vidas e sentimentos reais. Meus, dos meus e de tantas e tantas mulheres (e homens também). É necessária cautela, empatia e muita sensibilidade.

Haverá filhos de segunda? Não!

É socialmente (emocional, psicológica, moral e eticamente também) considerado e aceite como condição única e verdadeira que os filhos são todos iguais no coração de um pai. É natural que exista mais empatia com um, ou até cumplicidade. Somos todos seres humanos diferentes, com personalidades distintas e empatia não pode nem deve ser confundida com amor. O amor de um pai e de uma mãe é igual para e por cada filho que tem.

Então para quê chavões? A crueldade de considerar que um filho substitui ou tapa a ausência de outro é um dos chavões mais cruelmente proferidos. Quando uma mãe aborta. “Pensa que já tens o Manel!” Quando um pai perde um filho. “Agarra-te à Ana. Ainda tens a Ana!”. Quando um casal quer ter mais um filho e não consegue. “Deixa lá! Tens o Francisco!”.

É cruel. É absurdo. É falar por falar. Não falem. Não digam. Permaneçam calados. Quando não se sabe o que dizer, não se diz.

Não devemos. Não podemos. Não temos o direito de calçar os sapatos os outros. Devemos tentar, para apoiar, para tentar compreender, mas não devemos nunca, nunca esquecer que não é possível saber o que o outro sente. Nunca. Por muito que julguemos que sim, por muito que tenhamos passado por uma situação que cremos ser igual. Não é. Histórias de vida diferentes. Enquadramentos e enredos distintos. Indivíduos únicos.

Aquilo que vivemos cá em casa é medicamente considerado como infertilidade secundária. E se é verdade que é secundária por se referir a um segundo filho, não deixa de ser verdade que é um termo pouco cuidado, nada empático, difícil de gerir… como se existissem filhos de segunda. Por ter próximas (e várias) situações de infertilidade (e pela minha própria forma de ser e de estar), lidei com a nossa história com muito pouco romantismo e de forma muito racional. Eu já tinha estado grávida. Eu já sabia o que era gerar uma vida. Eu já sabia o que era sentir um bebé dentro de mim. Eu já tinha parido uma filha. Eu já tinha sentido aquele terramoto de sentimentos quando vemos o nosso filho pela primeira vez. Eu já tinha amamentado. Eu já era mãe. Mas,… a Maria não substituía, de forma alguma, o filho que queríamos ter. O irmão que lhe queríamos dar. A companhia pela qual ela ansiava.

Foi na Primavera de 2014 que decidimos que estava na altura de dar um irmão à Maria. No final de 2015 a minha médica entendeu que tinha chegado o momento de começar a pensar em alternativas (procriação medicamente assistida, entenda-se). Repetiram-se ressonâncias e outros exames. Nada. Em Março de 2016 cruzámos a porta da clínica onde viria a ser feito o Rodrigo. Histerosalpingografias, espermogramas, mullerianas. Nada. Uma médica fenomenal à nossa frente. Decisões e apostas em conjunto. Consultas que eram reuniões técnicas entre casal e médica e embriologista. Consultas que eram uma conversa no cabeleireiro. A Maria muitas vezes comigo. Sentada no sofá do gabinete enquanto eu fazia mais uma ecografia. Três inseminações. Nada. Há um bebé de casa. Sem dificuldades nem demoras. Uma FIV clássica. Nada. Mas nada. Nem embriões decentes para transferir. Aconteceu o que ninguém esperava. Havia um bebé de casa, não era expectável a não fecundação. Uma FIV ICSI. Uma transferência. E chegou o Rodrigo. Foram 7 meses em modo non stop. Tratamentos. Mudanças profissionais em simultâneo. Dele e minhas. Viagens de trabalho. Muitas. O Rodrigo foi transferido numa quinta-feira. 13 de Outubro de 2016. Na sexta-feira estava a caminho do Porto. Na segunda-feira em viagem para a Madeira. No dia 24 de Outubro, ao final do dia, soube pelo telefone, com a Maria no carro e a caminho do escritório dele, o resultado da beta hCG.

Hoje somos quatro. Temos dois filhos. Nenhum deles é secundário.

 

4 Discussions on
“Filhos de segunda?”
  • “É cruel. É absurdo. É falar por falar. Não falem. Não digam. Permaneçam calados. Quando não se sabe o que dizer, não se diz.” Amén!
    Já ouvi demasiadas barbaridades, sem falar nas imensas faltas de sensibilidade. Mas acho que me incomodam mais os olhares de pena!
    É um assunto que daria mil posts.

    No amor tudo cabe, não há primeiro nem segundo… muito menos secundário! Felicidades

  • Vanessa conheço tão bem tudo isso…. Só que os meus têm 8 anos e tal de diferença. O 1º aconteceu, naturalmente e sem demoras como dizes. A 2ª, depois de várias tentativas entre ICSI e FIV, nada… Quando fiz 40 anos achei que tinha chegado a altura de parar e de me resignar a 1 filho. Assim mesmo: “Chega! Estou farta de tratamentos, de agulhas de obrigatoriedade de horários, de corrida contra o tempo. Chega! Acabou”. E 4 meses depois dos 40 anos comprei um teste na farmácia e … estava grávida! Assim, sem mais nem menos…
    Fui mão novamente aos 41 anos de uma bela rapariga 🙂

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