Eu, Tu e os meus sapatos

Louca pela vida. Louca por ti. Louca por escrever. Louca por sapatos.

Maria

Maria. Simplesmente Maria.

Aos (teus) dois anos, seis meses e vinte e três dias de vida vais ser baptizada. Assim. Simplesmente Maria.

E isto pode soar estranho. Tanto tempo para uns. Tão pouco para outros.

Para mim é uma não questão. Eu lembro-me do meu baptizado. Como não? Tinha quatro anos. A minha irmã quase um. A minha prima três.

Essa prática de baptizar bebés (ainda) de colo era tema que a mim não afligia. Não somos todos filhos de Deus? Ao colo ou pelo próprio pé.

O tema que me afligia era outro. Os padrinhos. Os padrinhos. Sim, duas vezes. Ou até três. Os padrinhos. O que me afligia era isto. Sem afligir. Afligia. Mas eu empurrava com a barriga. Punha na borda do prato. Fingia que não via.

Seres baptizada, mais cedo ou mais tarde, sem pressas, era tema encerrado. Eu não quero moldar-te mas também não quero esconder. Não quero fechar janelas e portas. Quero que escolhas pela tua vontade. Mas como escolher sem conhecer? E isto é aquilo que te posso dar a conhecer. É esta a janela que eu conheço e que te posso abrir. As outras filha? Procura por ti. Lê. Aprende. Fala comigo. Fala com os nossos. E escolhe.

Voltemos aos padrinhos. Era difícil. Muito. Tu ainda não existias e já eras desejada. Não, não estou a falar de mim. Nem do teu pai. Estou a falar da tua tia. Que tu pronuncias assim, de forma clara e perfeita “tia Nídia”. A tua madrinha estava há muito fechada, escolhida, decidida. Não por promessas cúmplices de irmãs pequenas. Porque sim. Porque estava escrito e porque assim ditava a razão e o coração.

E de repente, vejo-me contigo nos braços. E falo-te da tua tia. E mostro-te fotografias não todos os dias mas quase. E falo-te dela outra vez. E quando aprendes a falar uma das primeiras coisas que dizes é precisamente o nome dela. Assim, claro como a água. E caramba, outra vez. E os padrinhos? Os padrinhos.

Sem formatos pré-concebidos. Sem obrigatoriedades. Mas havia um se. Sem a Nídia, eu queria que os padrinhos fossem um casal. Não te vou explicar o motivo filha. Um dia, crescendo e apercebendo-te da família em que nasceste e do quão família somos vais entender.

E escolher? Como? Como é que se escolhe quando quem eu queria, quando quem tinha de ser, já não pode ser? Pelo menos não neste formato físico e palpável de padrinhos. Como?

E tu foste crescendo. E vamos esperar que ela ande. E vamos esperar que ela fale.

E, se a bem da verdade o círculo se foi fechando, esteve durante muito tempo alargado a algumas pessoas.

Todas elas vão estar presentes filha. Todas elas estão hoje presentes filha. E, quero acreditar, estarão sempre. São amigos filha. São amigos que são família. São os amigos que me recriminaram quando fui injusta. São os amigos que iam ver a tua tia em todos os internamentos. São os amigos que, perante uma chamada da tua avó, largavam tudo para ir com ela e com a Nídia para o hospital. São os amigos das férias. São os amigos de sempre. São os amigos que trato como trato os teus avós. Trato-os como sou. Sem subtilezas, sem subterfúgios, sem disfarces. São os amigos que nos (te) conhecem como nós somos. São os amigos que fizeram plantão no hospital no dia do teu nascimento, qual acampamento de ciganos. São os amigos que questionam por ti diariamente. São os amigos que, apesar dos meus avisos “não há visitas”, foram para o hospital a correr assim que souberam que estavas internada. São os amigos que às 11h da noite da véspera de Natal foram ao hospital levar a ceia aos teus pais. São os amigos, volto a dizer, de sempre.

Mas tu escolheste os teus padrinhos. Tu. Eles escolheram-te. Há muito. Tal como os outros. Os candidatos a. Mas tu escolheste-os. De forma tão inequívoca, tão transparente, que não havia como negar o óbvio.

Esta é uma ode de louvor filha. A ti. À tia Nídia. Aos teus padrinhos. Mas, é acima de tudo, uma ode aos amigos que, eu sei, só não serão teus padrinhos no papel escrito da igreja.

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