Tenho mesmo muita pena que a palavra escrita não consiga exprimir na perfeição aquilo que se pretende transmitir. Os sentimentos, as expressões faciais, as nuances do tom de voz, atenuam as diferenças entre o que verdadeira e efectivamente pensamos e o que verbalizamos.
Sou rancorosa mas perdoo, sou fria e racional, mas emotiva. Nada disso se reflecte na totalidade quando escrevo.
Mas há uma coisa que sou muito e que não sabem. Bruta. Muito bruta. Não tenho medo de magoar ou de melindrar. Não tenho porque só quero perto de mim pessoas que saibam entender o que penso ou que sejam capazes de (me) perdoar se for caso disso. Digo o que penso porque só quero perto de mim quem me conheça por inteiro. Toda. Emotiva, Fria, Racional, Bruta. Quem me quer, tem de me querer como um todo. Como a pessoa que sou. Isso reflecte-se na minha forma de ser e de me relacionar com os demais. Sou tão exigente com os outros como sou comigo. Nem mais, nem menos. Não significa que não ame, que não reconheça, que não valorize, que não perdoe. Esta é a minha forma de ser, de estar e de viver. Amo, tal como todos, à minha maneira. Dando-me o devido valor, mas, acima de tudo, dando o devido valor aos outros na mesma medida.
Não quero meio. Quero cheio.
Não gosto de chavões nem de generalizações.
E sim, às vezes só se mostra que um chavão é descabido quando de uma asa partida se salta para uma doença terminal.
Comecei este blog porque fui desafiada. Foi no curto interregno em que acreditámos mais do que em outra qualquer altura que a minha irmã ia sobreviver. São sapatos, são roupas, são futilidades. São. Mas é acima de tudo o querer escrever, mais do que o gostar de, é a necessidade de. Escrevo porque quero que leiam, porque quero transmitir, porque quero lembrar sempre. Se não acreditasse no que escrevo, não escrevia. Acredito, como todos os seres humanos, que sou dona e senhora da minha verdade. Não da verdade dos outros. Sou dona e senhora da minha vida. Não da vida dos outros. Sou dona e senhora da minha felicidade. Não da felicidade dos outros.
Quando a minha irmã morreu não esperei nunca que a minha mãe tombasse. Não acreditei que o casamento dos meus pais desmoronasse.
Não, a minha mãe não tombou. Não, o casamento dos meus pais não desmoronou.
Na altura li muito. Queria ter a certeza que estava preparada para tudo e para os apoiar. E fiquei chocada, fiquei tão chocada. Com os testemunhos de outros pais em luto, com teorias sobre fazer o luto, com etapas obrigatórias do luto. Nada me preparou para isso. Eu não quis acreditar nisso. E não acreditei.
E é acima de tudo contra essas obrigatoriedades que luto. Não é obrigatório. Não tem de ser. Eu não quero que o mundo inteiro viva como eu. Eu não quero que os pais enlutados façam o luto como os meus. Eu quero sim, que saibam que há outra forma. Eu quero sim, que saibam que têm o direito a ser felizes. Eu quero sim, que não acreditem que têm de bater no fundo. Mais? Há várias perdas. Mas uma mãe que viu o filho definhar não precisa de bater mais no fundo para vir cá acima respirar. Não há mais no fundo.
E, da mesma forma que pais enlutados apoiam outros pais nesse luto, fazendo-os acreditar que são etapas obrigatórias e que vem aí um amanhã (que tarda) melhor, gostava que um dia a minha mãe (cuja força infinita ainda só “chega” para ela própria) fosse capaz de apoiar outros pais no luto, fazendo-os acreditar que nada é obrigatório. E que tudo é possível. Porque somos humanos, porque somos únicos e porque um pai que perde um filho e vive é um super homem.
Não poderia deixar de comentar… É que é mesmo isto, revejo-me em tanta coisa e também tenho uns pais que viram morrer não um, mas dois filhos. Em alturas diferentes, em circunstâncias diferentes, mas que continuam juntos, de pedra e cal, após quase 47 anos de casamento.
Mas é isso, não é mesmo obrigatório viver o luto na mesma maneira, da mesma forma, que por vezes chega a ser doentia e que em nada os ajuda a seguir em frente.
Obrigada por mais um texto fantástico e que espelha tão bem, o que me vai na alma, sem saber escrever tão bem! 🙂
Beijinhos grandes e continua a escrever, porque nós gostamos de te ler!
…. Este post deixou-me assim um bocadinho sem palavras.
Falas como ninguém.
http://www.prontaevestida.com
Não sou mãe. Desde pequenina, lembro-me de, do alto do meu papel de filha (na altura única), pensar como eram fortes as mães que perdem os filhos, (hoje imagino que) ainda mais do que os filhos que perdem as mães. Porque era pequenina quando vi a minha mãe perder o pai. Porque ainda era pequenina quando os meus pais me contaram que tinham perdido um filho na barriga. Porque já era mais crescida quando vi o meu pai perder o pai e porque me lembro como se ontem tivesse sido quando a minha mãe perdeu a mãe. Não conheço (bem, no sentido em que acredito que a palavra deve ser usada) ninguém que tenha perdido um filho. Um que tenha nascido, e já na barriga, sem nunca o ter visto, me parece uma dor tão grande. Hoje, quando sinto que, de dia para dia, quero mais e mais ser mãe, parte-se-me o coração quando ouço histórias destas. E há tantas. Tantos super homens e super mulheres que fazem com que esta ideia de ser pai, de ser mãe seja indescritível e incomensurável.
(isto tudo para dizer obrigada Me)