Eu, Tu e os meus sapatos

Louca pela vida. Louca por ti. Louca por escrever. Louca por sapatos.

Realidade.

A leucemia não é uma doença fácil…

 

Existirão doenças fáceis? Não.

 

Mas acredito que existem doenças menos difíceis.

 

A leucemia não é uma delas.

 

E estou a escrever sobre leucemia porque é, infelizmente, a doença sobre a qual posso falar com conhecimento de causa. Talvez todos devessem partilhar as suas experiências sobre situações menos fáceis para que os demais consigam entender que não estão imunes, mas principalmente, entender que devem viver e ser felizes durante essa “imunidade”.

 

A leucemia é uma doença difícil. É pouco conhecida, pouco compreendida e, no âmbito das doenças oncológicas, particularmente desgastante. Particularmente dolorosa. Exageradamente dura.

 

E este desabafo não vem em jeito de lamento. De todo. Vem em forma de alerta. Alerta para que vivam. Alerta para realidades que desconhecem e que poderão surgir de um dia para o outro.

 

O tapete de falsa segurança que temos é tão facilmente puxado e, sobretudo, tão imprevisivelmente, que ninguém está preparado para isso. E, do mesmo modo, ninguém consegue avaliar a realidade que tem. A realidade feliz e saudável que tem.

 

Este desabafo poderá ser excessivamente descritivo, demasiadamente exacto. Mas é a melhor forma de elucidar sobre uma realidade que não escolhemos. E que nos poderá ser ofertada a qualquer instante.

 

Os termos poderão não ser os mais técnicos e existirão aqui até algumas gafes médicas, mas o importante é transmitir a realidade dura desta doença… e as dificuldades e riscos que acarreta.

 

Quando alguém é diagnosticado com leucemia é imediatamente internado. E esta é logo uma variável completamente distinta da maioria das doenças. Normalmente, por muito más que sejam, a pessoa vem para casa, mastiga o assunto, faz mais uns exames e depois de uma ou outra consulta, inicia tratamentos. Com leucemia isso não acontece. Não há tempo para mastigações nem para mentalizações. Internamento imediato e o tratamento arranca no dia seguinte. Até porque normalmente quando se é diagnosticado o organismo está, de um modo geral, gravemente doente. Rins afectados. Infecções não diagnosticadas. Anemias gravíssimas.

 

A leucemia está associada ao mau funcionamento da medula óssea – que produz 3 grandes tipos de células:

– glóbulos vermelhos – transportam oxigénio

– glóbulos brancos – defendem o organismo

– plaquetas – evitam hemorragias

 

Quando se tem leucemia, os glóbulos brancos não se diferenciam, ou seja, num dos estágios da sua maturação, esse desenvolvimento é interrompido, por qualquer motivo desconhecido, e as células ficam num estado em que literalmente “não têm utilidade”. Então, o organismo fica sem defesas e totalmente exposto e indefeso. Por outro lado, como a medula está desequilibrada, os valores de glóbulos vermelhos também descem (provocando anemia muito grave), bem como as plaquetas (trombocitopenia grave – risco elevado de hemorragia).

 

O tratamento da leucemia passa SEMPRE por quimioterapia, podendo existir outros tratamentos auxiliares. A quimioterapia elimina todos os glóbulos brancos do organismo e baixa drasticamente as restantes células sanguíneas. Para terem uma ideia, alguém com leucemia e durante os tratamentos, dificilmente atinge os valores obrigatórios para obter uma alta médica em qualquer outro serviço. Por isso mesmo, os períodos de internamento são longos e imensos. Aliás, essa alta é dada sob risco. Todavia, se assim não fosse, os doentes acabariam por passar longos meses internados.

 

Com a quimioterapia, todos os valores descem e por isso o risco de hemorragias internas graves, infecções generalizadas graves ou problemas cardíacos por falta de oxigenação, são muito elevados.

 

A quimioterapia para leucemia é tão agressiva que é feita em internamento. As consequências são tão graves que cada dia que passa é uma vitória. As restrições alimentares são imensas. Os cuidados a ter ainda mais. Com leucemia, um pêlo encravado é uma grande chatice. Uma manifestação de herpes então é desastrosa…

 

E as características desta doença não acabam aqui. Mas a minha descrição sim. Já chega de realidade desta.

 

Mas é uma realidade que existe. E não nos podemos esquecer que também nos pode calhar na rifa. Sem aviso. Sem preparação.

 

A leucemia não se deseja nem ao pior inimigo. E devemos congratular-nos e ser felizes por não ter esta realidade.

 

Ou qualquer outra menos boa…

18 Discussions on
“Realidade.”
  • Não tenho blog e não costumo comentar o dos outros por isso mesmo, mas visito o seu há mais de um ano…
    Perante este post não resisto a dar-lhe os Parabéns por conseguir fazer um post tão útil e realista, por fazer serviço publico!
    Felizmente não tive nenhum caso de leucemia na família e desejo vivamente não o ter… mas se o tiver já estou avisada! e se vier a ter espero ter a capacidade de discernir a situação como a Me e a sua família discerniram!
    Obrigada por nos ensinar a viver um bocadinho melhor o nosso dia a dia.
    MA

  • É uma doença da qual tenho muito medo porque pouco depende de nós. Podemos ser saudáveis, portar-nos bem, ter uma vida regrada e mesmo assim ser abalados pela leucemia. Isso assusta-me.

  • Sei que não me conheces mas sou uma leitora assídua do teu blog, as melhoras, se precisares de alguma coisa podes enviar um email.
    Fica bem.
    Ana Batista

  • é doloroso só de pensar…vi o meu pai partir em 7 meses, inicialmente tinha um cancro no esófago e mais tarde detectaram a leucemia…erro médico, não sei. vi a imagem que sempre tive do meu pai, desaparecer dia a pós dia, e foi após a morte do meu marido (17 dias antes do meu pai tb falecer) que ele se fechou para o mundo e se deixou ir. esta maldita doença…levou-o e nem pediu licença. o meu pai foi diagnosticado no dia 13 de Agosto de 2003 e no dia 14, já estava no IPO a ser internado… não é fácil…e confesso que é algo que me persegue, tenho medo…medo de vir a ter.

    olhostristes-kikas.blogspot.com

  • Muito obrigada por esta partilha!

    Gostava de dizer mais mas as palavras faltam-me 🙁

    Um beijinho muito grande desta amiga mais ou menos virtual, um ano cheio de coisas boas e que seja muito, mas mesmo muito melhor que 2010.
    Vocês entraram no meu coração (nem eu sei bem porquê!)

    BEIJINHOS para toda a família (incluindo a Zuky ) [Error: Irreparable invalid markup (‘<br […] <a>’) in entry. Owner must fix manually. Raw contents below.]

    Muito obrigada por esta partilha! <BR><BR>Gostava de dizer mais mas as palavras faltam-me 🙁 <BR><BR>Um beijinho muito grande desta amiga mais ou menos virtual, um ano cheio de coisas boas e que seja muito, mas mesmo muito melhor que 2010. <BR>Vocês entraram no meu coração (nem eu sei bem porquê!) <BR><BR>BEIJINHOS para toda a família (incluindo a Zuky ) <BR class=incorrect name="incorrect" <a>SJ</A> <BR><img src="http://blogs.sapo.pt/images/mood/EMOTICON_RAINBOW.png"&gt; <img src="http://blogs.sapo.pt/images/mood/EMOTICON_SOL.png"&gt; <img src="http://blogs.sapo.pt/images/mood/EMOTICON_REDFLOWER.png"&gt;

  • Gosto muito de passar por aqui. Gosto da “linha editorial” deste blogue.

    Nunca é demais valorizarmos a vida e tudo aquilo que temos de bom. Faz amanhã 9 meses que um dos meus sobrinhos foi operado ao cérebro , tinha um tumor. Assim, de um dia para o outro, o diagnóstico e o prognóstico não podiam ser piores. Seguiram-se as sempre obrigatórias sessões de radioterapia e quimioterapia. Agora, passado este tempo faz quimioterapia uma semana por mês. A vida, tanto a dele como de toda a família está como que suspensa. Vivemos um dia de cada vez, vivemos felizes com o facto de estar connosco e de na cirurgia terem removido o tumor e o cérebro não ter ficado afectado.

    De um dia para o outro pode não haver tempo. De um dia para o outro podem ficar coisas por dizer e abraços e beijos por dar. Por isso, o meu comentário serve para deixar um alerta, as piores notícias, como são as de nos dizerem que quem amamos pode estar de partida, pode não ter o tempo que todos pensamos ser longo, surgem de um dia para o outro, no caso do meu sobrinho, durou o tempo de uma TAC e de uma Ressonância magnética, ou seja, em menos de uma hora, deixou de ser um jovem adulto de 30 anos, saudável e com a vida pela frente, para passar a ser um doente oncológico com um tumor, operável, é certo, mas de um grau de malignidade grande.

    Valorizem a vida e digam todos os dias aos que amam o quanto a vossa vida só faz sentido amando.

    Um beijinho com muita ternura

    Helena

  • Em 1993 numas análises de rotina, o médico de família detectou algo de estranho nas percentagens dos glóbulos vermelhos e brancos.
    As análise também acusavam anemia (valores a roçar nos limites inferiores).
    Receitou-me ferro e mandou repetir as análises um mês depois. Na mesma. Mandou-me para o Hospital de São João para hematologia.
    A partir daí foi complicado. Felizmente, a médica foi espectacular, desconfiou que fosse algo de hereditário a que muitos médicos chamam de ‘inversão de fórmula’, mas não deixei de frequentar aquele serviço durante três anos para atestar que era realmente isso.
    Descobrimos mais tarde, que a minha avó também tinha o mesmo’feitio’ e a minha mãe, fila, não.
    Só que à minha avó sempre foi associada anemia.
    E como esta caracteristica se manifesta mais quando emagrecemos, a minha avó ‘resolvia’ a anemia… co comida.

    Bem, tudo isto para dizer que havia dias em que quando era consultada pela médica, o estado dela era idêntico a Maria MAdalena! Eu era sempre das últimas pessoas a ser vista porque tinha que fazer análises e esperar pelo resultado. Ela, memso com muitos anos de serviço não resistia a muitas coisas…

    Mais tarde uma amiga minha tb faleceu dessadença que lhe foi diagnosticada depois do parto.

    Bem, e o que tens tu a ver com isto?
    NAda, claro, mas poucas pessoas compreendem quando eu digo exactamente isso: a leucemia é uma doença muito ‘complicada’. Surge , mais que as outras, sem avisar… os sintomas chegam muito mais tarde!

    (entretanto eu, feita parva,, não ando a cumprir com a imposição da médica, de fazer análises de 6 em 6 meses… se bem que um médico já me disse que era ‘frescura’ da médica. Que era um desperdicio e que era por isso que o serviço de saúde estava como estava!)

    Enfim!
    beijinhos e obrigada, muito obrigada, pela partilha. Nem imaginas o quanto fico bem com a partilha, tua e de outras bloggers, sobre certos temas. No mundo mais físico, onde me movimento, quando falo sobre algumas coisas. sinto-me um ET, tal é a falta de vontade das pessoas em reflectir sobre algumas coisas.

    Sorry. sorry… bjinhos… e bom 2011… não ‘melgo’ mais

  • Confesso que sei muito pouco sobre leucemia. Mas desde que a minha mãe adoeceu percebi na pele o porque é que a saúde é realmente a coisa mais importante. E também porque é que é tão importante sermos felizes e vivermos ao máximo quando não temos nenhum deste tipo de preocupações. Mas a verdade é que a maior parte das pessoas não têm esta noção. Tal como eu também não tinha. E hoje sei que vivi metade ou talvez menos do que podia ter vivido. E agora que ganhei essa consciência não sinto vontade de ser feliz. Porque há uma coisa que constantamente me aperta o coração. Percebi estas tuas palavras melhor do que gostava de ter percebido. E espero que faça com as pessoas que não têm nenhum destes problemas percebam o quão frageís todos somos e aproveitem o melhor que possam enquanto elas e as pessoas à volta estejam bem.

  • olá Me,

    Já há algum tempo que acompanho o teu blog e hoje pela primeira vez estou a comentar … porque sempre que leio um post teu sobre esta maldita doença, lembro-me sempre do que o meu pai também passou com esta doença.
    Custa muito, como eu sei que custa … a pessoa morre aos poucos …
    tantas vezes que chorei por ver o meu pai a passar por aqueles tratamentos, o estado em que ficava, a força que tinha, a força que nos passava …
    também eu , tento ser o mais feliz que posso , todos os dias, porque sei que é isso que o meu pai quer, ver-nos felizes … e há tanta gente que se diz infeliz com as pequenas pedras que vai apanhando no caminho da vida … infelizmente só que passa ou vê um familiar passar por uma doença deste género, é que vê o quanto curta pode ser esta passagem pela terra ,
    eu acredito também que ele está sempre presente ao pé de nós

    obrigada Me, por tudo o que nos tens “ensinado” no teu blog,
    parabéns pela tua força e a tua irmã só pode estar feliz pela linda família que tem

  • Não sei mesmo o quão difícil, complicada ou diferente das outras doenças a leucemia é. Tenho a bênção, até hoje, de nunca a ter visto de perto. Mas, e apenas nesta linha de partilhar informações, a leucemia não é a única doença cujo tratamento (nomeadamente quimioterapia) implica internamento. Há várias, demasiadas, e a questão é mesmo essa – as pessoas saudáveis devem ser tão felizes apenas por isso mesmo, por serem saudáveis 🙂 não ter leucemia, não ter qualquer cancro, não ter qualquer doença crónica é uma bênção!

    (Lamento que conheça a leucemia tão de perto, e que a luta contra ela não tenha terminado como todos esperam quando vêem os seus afectados. *)

  • Me és uma verdadeira grande mulher e que muito admiro pela tua capacidade de ver as coisas.
    Penso exactamente como tu, e se grande parte das pessoas passa a vida a lamentar-se e estão sempre na busca incessante da felicidade, quando esta normalmente está sempre conosco, ao nosso lado, com as pessoas que amamos…

    Bj grande e desejo-te tudo do melhor que possa haver e com toda a certeza a N. está sempre de olho em ti…

  • Vi aqui parar este post porque sem querer fui ao teu antigo blogue. Mais uma vez, a profundeza com que descreves é algo que toca. Fiquei saber algo mais e acho que isso é importante…

    Beijooo****

  • Olá Me, vim dar ao teu blogue depois do teu coment no meu mas acho que já aqui tinha passado há muito tempo porque esta história não me é estrannha. Estoumesmo de saida mas não queria deixar passar o momento de te dar os parabéns por falar de um tema complicado, obscuro para muits e por dotá-lo de humanismo.

    Um beijinho grande e boas férias (se for caso disso)

    Mary

  • Eu vivo essa realidade de que falas, a minha Madalena entrou no IPO com 2 anos, em Setembro do ano passado. Têm sido tempos muito, muito dificeis, mas realmente, passamos (todos cá em casa) a valorizar tudo de outra forma.
    Obrigada, fez-me bem perceber que existem pessoas que me compreendem, apesar de à distância de um monitor…

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